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caviar, estrogonofe, Noites Brancas, pastel, Rússia, São Petersburgo, stroganoff, Teatro Mariinsky
Garbo é algo que o russo de São Petersburgo não faz ideia do que seja. O jeito de se vestir em tons de cinza e marrom e a falta de classe nos passos vão do protagonista sem nome do clássico de Fiódor Dostoiévski, “Noites Brancas”, até o casaco maltrapilho das damas que entram no Teatro Mariinsky. A realidade passa bem longe da delicada Nástienka (por quem o “sem nome” se apaixona nesta bela cidade).
Empolgada com a ideia de assistir a uma ópera em um teatro mais antigo do que o Bolshoi, caprichei no figurino. Vestido com paetês, meia-calça bordada, salto alto e sobretudo preto. Para finalizar, cabelos trançados. Só não me pergunte para quê. Descabeladas e calça jeans não faltavam naquele lugar. Com esmeraldas no dedo, só a meia dúzia que estava nos camarotes.
Bom, se essas pedras verdinhas estivessem nos meus dedinhos, logo voariam na cabeça da mulher que acomodava as pessoas nas cadeiras. Sem educação alguma, ela obrigava todos a tirarem os casacos e deixá-los na chapelaria. Não teve negociação, passar frio era inevitável, mesmo após um gracioso bate-boca, com muito garbo guardado no bolso. Mas o incômodo do ar-condicionado não foi nada perto de duas horas seguidas ouvindo “My Fair Lady” em russo — a duração total da ópera era de 4 horas.
Conclusão, além de congelada, no fim do primeiro ato já não aguentava mais aquela cantoria, traduzida por um letreiro fora do tempo colocado quase no teto do teatro (ou eu lia o que estava acontecendo ou eu assistia aos atores). Em três amigos, quando o primeiro tomou coragem e levantou, não precisou de nenhuma reunião para decidir para onde fugir: um restaurante.
Diferentemente dos sapatos dos frequentadores do teatro, os restaurantes da cidade têm muito garbo na hora de cobrar. Você pagaria R$ 600 ou 9000 rublos em um menu degustação de 15 g de caviar em um dos hotéis mais caros do mundo? Pois é. Em São Petersburgo, optei por declinar o menu cheio de glamour e partir para outro prato mais simples e tão tradicional quanto, o pastel — eu nem gosto tanto de caviar assim, vai.
Sou incapaz de escrever o nome do pastel deles. Tudo é em cirílico, mas ao caminhar pelas ruas da cidade você reconhece a especialidade nos cartazes dos restaurantes. É um pastel gigante, com diversos recheios. Experimentei um de queijo de cabra e o tradicional, com carne e batata. O primeiro é mais gostoso. Mas em tudo eles colocam dill (ou outro tempero muito parecido). Quem não gosta da especiaria vai ficar incomodado.
Apesar da tradição e do preço barato nos padrões russos (com bebida, gastei uns R$ 40), o pastel “não é São Petersburgo”. O imperdível mesmo é o “stroganoff” (brasileiro escreve errado, o certo é com “a”) do restaurante que inventou o prato, o Stroganoff Restaurant. O lugar já é incrível pela decoração e o ar rústico de uma parte do porto que foi reformada. Também foi onde comi a melhor sopa de cogumelos do mundo. E onde conheci um simpático garçom que adorou encontrar um grupo de brasileiros.

Dentro do Stroganoff Restaurant, um cantinho aconchegante na região portuária da cidade (Foto: Priscila Dal Poggetto)
O russo apaixonado pelo Brasil chama-se Vladimir. Na verdade, ele caiu de amores primeiro por uma brasileira que conheceu em Londres e, assim, encantou-se pelo país. O romance terminou, Vladimir nem quis entrar em detalhes sobre o assunto, mas a simpatia pelo samba não acabou. Prova disso foi o desconto que ele deu na conta só porque éramos brasileiros. Tudo saiu por “apenas” R$ 90 por pessoa.
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O “stroganoff” é bem diferente do que tem no Brasil. Muito cogumelo, mas pouco creme de leite. Na receita, molho de tomate ou o preguiçoso katchup nem passam perto. Pode ser acompanhado com batata frita, arroz e purê. A receita que eu passo aqui vem da minha avó Irma, mãe do meu pai, que aprendeu a fazer o melhor E-S-T-R-O-G-O-N-O-F-E do mundo com uma amiga, filha de um cozinheiro. Demora, mas vale a pena e é um dos segredos da minha família.
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